Lotaria Cósmica

"...o mundo era então uma aventura cintilante."
Jostein Gaarder

Imagem  Stadshem

Não sou muito de reler livros. Tal como não costumo rever filmes. No entanto, há uns dias decidi pegar de novo num que li há vários anos e que me lembrava de ter gostado bastante: a Rapariga das Laranjas, de Jostein Gaarder. E ainda bem que o fiz. Gostei tanto (ou mais) que da primeira vez. E terminei o pequeno livro a pesquisar avidamente na internet imagens do espaço tiradas pelo telescópio Hubble ( várias vezes falado ao longo da narrativa ) e a escrever este post. Finalmente, senti-me de novo inspirada para o fazer.


Escrever é um bocadinho
a dívida que se paga
pelo que se leu
- M i g u e l   E s t e v e s  C a r d o s o


Lançado no espaço pela NASA em Abril de 1990, o telescópio espacial Hubble é como um olho para o universo. Com as suas onze toneladas de peso e 12 metros de comprimento, tem tirado milhares de fotografias a galáxias e nebulosas a vários milhares de anos-luz da Via-Láctea com uma nitidez e qualidade que nunca antes tinha sido possível.

Imagem NASA

No entanto, apesar de todo o conhecimento que temos disponível nos dias de hoje, é ainda pouco o que sabemos sobre as origens deste mundo em que vivemos e aquilo que existe para lá dele.

Sabemos, no entanto, que contemplar  o espaço e as estrelas é olhar para o passado, e que a partir da perspetiva do telescópio Hubble, o tempo vivido na Terra é um instante em relação à eternidade do tempo passado e futuro.

Há uns dias passei à noite pelo Convento da Arrábida e deparei-me com um céu estrelado maravilhoso (já tinha saudades de ver um assim!...). A imensidão do espaço apazigua-me e ajuda-me a relativizar os problemas da vida.

Imagem NASA

E ali à noite, veio-me à cabeça uma das questões principais do meu querido livro:

Se algures no limiar da criação desta aventura que é a vida (há muitos milhões de anos atrás) nos fosse dado a possibilidade de escolher se queríamos aceitar um bilhete para uma viagem neste planeta, o que escolheríamos?

Saberíamos apenas que íríamos viver alguns anos, que provavelmente iríamos perder ente-queridos e pessoas importantes no decorrer da viagem, e quando chegasse um determinado momento teríamos que abandonar o jogo e deixar tudo para trás. Essas eram as regras.

Qual seria a nossa escolha (apesar das dores, das perdas, das alegrias, das tristezas, dos milagres?)

Por estamos aqui e termos tido a oportunidade de espreitar a aventura, sabemos o que iríamos perder se não aceitássemos, e assim a escolha fica mais difícil (é que é mais duro perdermos uma coisa que gostamos muito do que nunca a termos possuído).

Mas dizer que sim, implica aceitar todas as suas condicionantes.

Escolher a vida (mesmo que efémera)
é aceitar também a morte.


Jarra UCHU (palavra japonesa para cosmos), disponível na minha loja online

Quando deixamos este mundo e soltamos a mão de quem amamos, haverá alguma mão do outro lado que nos segura? Para muitas pessoas, as coisas existem e acabam, não há continuidade. Para muitas outras, não há sequer a hipótese de tudo um dia acabar para sempre. 

Dividia entre os dois pólos, vivo num equilíbrio instável entre as duas possibilidades.

Há jogos, em que sempre que ocorre uma "morte", aparece um tabuleiro novo e o jogo recomeça. Tal como no livro, pergunto-me muitas vezes se existirá um tabuleiro semelhante para as nossas vidas. Há quem acredite que sim e quem não acredite. Porém, como diz Jostein Gaarder, "sonhar com uma coisa improvável é ter esperança".

Somos uma pequena peça num puzzle que não compreendemos e do qual não temos uma imagem total. Vislumbramos o seu mistério mas não as suas respostas.

Imagem Pinterest

No entanto, uma coisa é certa: estarmos vivos aqui e agora (e termos consciência disso) é um pequeno milagre

Para que tal acontecesse, as coisas tiveram de se encadear no universo exatamente da forma que se encadearam para que o resultado fosse este que vivemos neste momento. Bastava um detalhe ter sido ligeiramente diferente (no meu caso, os meus pais, por exemplo, não se terem encontrado por acaso no Café Versailles no final dos anos 70) que as repercussões cósmicas poderiam ter sido a ausência do nosso nascimento.

E assim, nunca poderíamos ter sido testemunhas deste grande mistério. Jamais teríamos admirado um céu cheio de estrelas. Jamais teríamos tido a possibilidade de ver imagens de galáxias a mais de 12 biliões de anos-luz através do telescópio Hubble. Jamais teríamos tido a possibilidade de amar, abraçar e beijar todos aqueles que amamos.

Mil pequenas coisas podiam ter acontecido e mudado totalmente o cenário.

Mas, como diz a personagem principal do meu livro: "a vida é como uma grande lotaria cósmica onde apenas as cautelas vencedoras são visíveis."

 Cada um de nós venceu essa lotaria. Lucky us!


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