"Pode acontecer apercebermo-nos de que estamos doentes porque passámos demasiado tempo a ser excessivamente corajosos."
Alain de Botton
Hoje assinala-se o Dia Mundial da Saúde Mental, e se me pedissem para recomendar um livro dentro deste tema, seria sem dúvida o último publicado por Alain de Botton, um dos meus autores preferidos dentro desta área da filosofia/psicologia. Foi comigo para a praia várias vezes este Verão, pelo que agora quando o folheio encontro muitas vezes no meio das suas páginas sublinhadas, alguns grãos de areia perdidos.
Peguei nele por acaso há uns meses quando estava a passar por um momento complicado na minha vida. E como costumo fazer com todos os livros que conheço pela primeira vez, abri uma página ao acaso. E para meu espanto, nessa mesma página, li e compreendi algo sobre mim mesma que nunca me tinha apercebido. E sem pensar duas vezes, pu-lo debaixo do braço, e fui pagar.
A verdade é que o tema da saúde mental me é particularmente querido e importante. Não só porque há mais de três anos que colaboro com uma instituição psiquiátrica e estou semanalmente em contacto com pessoas com experiência em doença mental. mas também porque eu própria já me deparei com momentos em que não estive bem psicologicamente e em que tive, também eu, de embarcar numa viagem terapêutica.
Se no âmago da doença mental está a perda de controlo sobre os nossos melhores pensamentos e sentimentos, a verdade é que durante muitos anos tive dificuldade em moderar a minha tristeza (fruto de alguns acontecimentos infelizes na minha infância e adolescência), em ultrapassar a ideia de que não tinha sido verdadeiramente amada, e em pôr em ordem a bagunça emocional da minha vida.
Resgatar a minha felicidade e o meu bem-estar psicológico, foi assim, durante muitos anos, a tarefa mais importante da minha vida.
E o que me ajudou verdadeiramente?
A terapia.
Tornar o futuro diferente do passado
(a recuperação pode começar no momento em que admitimos que já não fazemos ideia de como continuar).
A psicoterapia moderna defende que os nossos problemas exigem que lidemos com a nossa infância e com a relação que tivemos com os nossos pais/cuidadores, já que a mesma afeta de uma forma desmedida a nossa vida adulta, o nosso temperamento, as nossas hipóteses de felicidade, os nossos níveis de ansiedade, a auto-estima, etc.
E também defende que "a doença contém a cura, mas tem que ser assumida e interpretada, e não nos vai deixar em paz até lhe prestarmos atenção. (...) Há uma sabedoria em estar doente - e em arriscarmos finalmente escutar o que a dor nos está a tentar dizer."
Ou seja, para nos libertarmos do passado, precisamos fazer uma imersão nos nossos medos, tristezas, mágoas e perdas passadas, e atravessar novamente os territórios emocionais que tanto sofrimento nos causaram. Só assim conseguiremos fazer o luto e garantir que a dor nos deixe de vez em paz.
"(...) a melhor forma de ultrapassarmos a nossa história é pensarmos nela. Devemos tentar recordar, não por nostalgia, mas para sermos capazes de esquecer de uma vez por todas". - Alain de Botton
Com a ajuda da terapia, podemos tornar o nosso futuro diferente do nosso passado (e depois de mais de 10 anos dedicada a este processo, posso partilhar que é mesmo possível fazê-lo).
Os Invernos da Vida
Quando um período difícil da vida nos assola, perdemos o rumo e a inspiração. Sentimo-nos estéreis e com a sensação de que o resto da vida será assim para sempre.
E efetivamente, às vezes não há nada que possamos fazer senão esperar, com resignação e paciência, até nos começarmos a sentir melhor.
Nessas alturas pode ser útil relembrar que, tal como na natureza, também a vida e as nossa mentes têm ciclos. Não é possível estarmos permanentemente felizes, criativos, animados e produtivos. Há também períodos de hibernação, em que não temos outra hipótese senão abrandar e recolhermo-nos, como uma paisagem de Inverno.
As coisas podem estar inanimadas, frias e suspensas, mas esse não é o fim da história Na natureza, o Inverno não é um destino, apenas uma estação.
"Tal como a natureza procura ensinar-nos, não podemos estar permanentemente a florir. Precisamos de momentos de repouso e confusão. Não há que temer. As coisas hão-de reemergir". Alain de Botton
Os grandes problemas não se resolvem de um dia para o outro, pelo que reconciliar-nos com as nossas tristezas pode ser por vezes a solução melhor e mais benéfica.
Saúde Mental em Tempos Modernos
Desde sempre que as pessoas têm sofrido de doenças mentais e por isso pode parecer ingénuo ou injusto atribuir aos tempos em que vivemos uma especial responsabilidade pelo agravamento desses problemas.
No entanto, apesar dos extraordinários avanços tecnológicos e do aumento da riqueza em relação a épocas anteriores, vivemos numa época em que cada vez mais pessoas padecem destes problemas.
E porquê? Porque para além dos nossos problemas pessoais, questões como a comparação social, as redes sociais e a ambição desmedida (só para nomear alguns) trazem desafios acrescidos.
O que à sua maneira os tempos em que vivemos nos dizem, é que viver um vida simples e modesta é basicamente inaceitável. A norma deixou de ser suficiente. Glorificam-se os vencedores e os empreendedores, e lançam-se sombras às vidas comuns que a maioria das pessoas tem necessariamente de continuar a levar. E vivemos assim insatisfeitos com aquilo que noutras circunstância poderia ser uma vida feliz e realizada.
A exposição a micro momentos do melhor da vida de cada um (e da vida de pessoas que nem sequer conhecemos) fazem também crescer dentro de nós a inveja e a cobiça, e levam-nos a olhar com insatisfação, tristeza e desilusão para as nossas vidas modestas, dando-nos a sensação que deixámos escapar a vida boa.
Recuperar a sanidade pode passar por escolher aquilo que a época moderna considera um desastre: viver uma vida tranquila. Que não tem nada a ver com falta de ambição, mas com o desejo de simplesmente se ter paz interior, ingrediente que já descobrimos como principal na receita da felicidade.
Na prática isso pode significar:
- não correr atrás de uma promoção, evitar holofotes ou escolher um tipo de trabalho satisfatório mas sem sobressaltos
- não procurar ser conhecido nem desejar a atenção e o amor de pessoas que não conhecemos
- abandonar a corrida pelo estatuto e não se deixar avaliar pelos padrões ditados pela sociedade
- desistir da necessidade de nos sentirmos excecionais
Em suma, um bom grau de saúde mental pode passar por termos bem presente dentro de nós que basta existirmos para termos valor.
Momentos de leitura nas férias
Pensamentos Finais
No meio desta teia complexa que é a vida, é importante não esquecer que ninguém sai ileso e que nenhuma vida consegue escapar a uma dose considerável de dor e perda. No arco das nossas vidas, todos estamos expostos a um largo espetro de desgostos e tristezas. E por isso, a nossa tristeza não é uma maldição pessoal, mas simplesmente a condição inevitável de se estar vivo.
"Uma boa parte da nossa angústia é causada pela suposição errónea e cruel que a vida deve ser, essencialmente, uma viagem agradável capaz de proporcionar satisfação e prazer àqueles que trabalham muito e mantêm os seus corações nobres e dedicados. A verdade não poderia estar mais longe desta perspetiva sentimentalista". Alain de Botton
Todos desejamos que qualquer experiência de mal-estar mental seja o mais breve possível e, acima de tudo, única e pontual. Mas a realidade é que para muitos de nós a doença ameaça visitar-nos várias vezes ao longo da vida. Por isso, como diz Alain de Botton, o desafio não consiste em aprender a sobreviver a uma única crise, mas em montar uma estrutura de suporte interna e externa que nos ajude a gerir a nossa fragilidade a longo prazo.
Importa aqui mencionar que o amor, seja de um amigo, um parceiro, de um filho ou de um dos pais, pode ter um poder insuperável de nos salvar, e talvez seja o ingrediente principal na recuperação de qualquer doença mental.
"Nunca ninguém ficou gravemente doente a nível mental, sem que tenha, em algum momento, sofrido um grave défice de amor". Alain de Botton
Por isso, em momentos difíceis, que bom termos a possibiliadde de sermos confortados por braços que nos querem bem.
Manter a nossa saúde mental será o trabalho de uma vida.
Quando passamos por uma crise difícil e saímos do outro lado, significa que escolhemos viver.
Um abraço,
Sofia
Sem comentários